9,69
Eu vi Usain Bolt a correr no Estádio Olímpico de Pequim. Eu vi aquilo. O homem que partiu devagar (sétimo mais lento no arranque, em oito) e depois galgou o tartan como sei lá o quê, uma máquina elegante, uma coisa feita de aceleração pura. Eu vi o seu corpo a afastar-se dos outros, cada vez mais para diante e os outros mais para trás, um abismo a crescer entre ele e os rivais (coitados, apenas humanos). E depois o final, a certeza da vitória, cabeça virada para o lado (para as câmaras), palmas das mãos para cima, uma pancada no peito, tempo para tudo, até para chegar à meta, pois é, vamos lá atravessá-la nas calmas. E depois o resultado nos ecrãs do estádio: 9,69 s.
Nunca ninguém correu tão rápido. Nunca ninguém antes baixara dos 9,70. Há quarenta anos que o campeão olímpico não chegava ao fim com dois décimos de avanço. Pormenor delicioso: Bolt fez toda a corrida com os atacadores do sapato esquerdo desatados.
Alguém devia fazer um poema sobre isto (mas falem baixo, porque o Manuel Alegre pode estar a ouvir).
Comentários
6 Responses to “9,69”
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- Amanhã na secção de Livros da revista ‘E’ em 16 de Dezembro de 2016
- Amanhã na secção de Livros da revista ‘E’ em 9 de Dezembro de 2016
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- Amanhã na secção de Livros da revista ‘E’ em 25 de Novembro de 2016
- Amanhã na secção de Livros da revista ‘E’ em 18 de Novembro de 2016
- Amanhã na secção de Livros da revista ‘E’ em 11 de Novembro de 2016
- Amanhã na secção de Livros da revista ‘E’ em 4 de Novembro de 2016
- Amanhã na secção de Livros da revista ‘E’ em 28 de Outubro de 2016
pois é!
Zé Mário, já te estou a imaginar um dia destes, a ver um dos teus filhos a correr com os atacadores desapertados e em vez de dizeres “aperta os atacadores q ainda cais”, dizeres “aperta os atacadores q ainda bates um record”.
: )
segundo o meu filho abrandou antes de chegar à meta…
Zé Mário, alguém faça o poema, porque o texto já está escrito. Wonderful.
Porra, o Paulo Querido roubou-me a ideia!
Mas este senhor do Porto, no Público de hoje, também se abeira do poema.
«Usain Bolt: o homem que dançou o reggae enquanto ganhava
a medalha de ouro»
Nas primeiras imagens que vi, da final de 100 metros, intuí que Usain Bolt já tinha ganho antes de começar a correr. Porquê? Porque, ao contrário do seu compatriota Asafa Powell – antigo recordista do mundo e eterno “pé frio” nas grandes competições -, Bolt divertia-se, brincava, fazendo o gesto do arqueiro, meneava as coxas, não era um corredor tenso, como Powell, que enfiava a cabeça por baixo da elástica, e mostrava que a prova o consumia de nervos.
Os outros atletas estavam sérios: pareciam figuras de betão armado, peões de guerra à espera de serem dizimados. Bolt, não, Bolt nunca esteve em Pequim, nunca saiu da pista de reggae da Jamaica, nunca deixou de dançar com a namorada e beber um daiquiri dry… ah, e esquecia-me, enquanto fez isso tudo, venceu a medalha de ouro da prova rainha do atletismo.
O triunfo de Usain Bolt também é a vitória póstuma de Bob Marley. Da descontracção, do atletismo em estado puro, ao ritmo da dança do Caribe.
Rui Marques
Porto