O esplendor da linguagem
Os Três Seios de Novélia
Autor: Manuel da Silva Ramos
Editora: Dom Quixote
N.º de páginas: 106
ISBN: 978-972-20-3597-2
Ano de publicação: 2008
Depois de o ter roubado a uma editora minoritária (Fenda), a Dom Quixote vem publicando a ficção mais recente de Manuel da Silva Ramos: Ambulância (2006), O Sol da Meia-Noite seguido de Contos para a Juventude (2007) e A Ponte Submersa (2007). Agora, foi a vez de recuperar Os Três Seios de Novélia, o fulgurante primeiro livro de Silva Ramos, escrito com apenas 20 anos e vencedor, em 1968, do Prémio de Novelística Almeida Garrett (de cujo júri faziam parte Óscar Lopes, Mário Sacramento e Eduardo Prado Coelho).
É o próprio autor quem explica, num posfácio «sem soutienenhum», o contexto em que surgiram estas três narrativas: «enquanto eu escrevia o livro, os rapazes que eu invejava, e que ia encontrar dois anos mais tarde, atiravam paralelos contra os polícias de Paris. Outros rapazitos, vindos do Porto, (…) vinham ter comigo para escalarmos à noite as estátuas de Lisboa». Talvez para preencher o abismo que separava o Quartier Latin de Entrecampos (onde o rapazito da Covilhã vivia, num quarto de estudante tão pequeno que tinha de escrever «sobre uma mala de viagem»), para galgar esse fosso gigantesco, Silva Ramos fez a sua revolução no papel, através de um estilo herdeiro dos surrealistas, em que a liberdade criativa se materializava numa corrente imparável de palavras, imagens, ideias, rasgos líricos e referências literárias.
“Os Três Seios de Novélia” acompanha a procura, pelas ruas e cafés de Lisboa, de uma mulher tão arquetípica quanto abstracta. É um texto feito de tensão erótica, ousadia formal, um certo excesso de confiança nos poderes da literatura e muito trapézio sem rede. Quatro décadas depois, mantém intacto o seu vigor, o seu destempero, o seu efeito de surpresa. “Um Longo Nascimento” é o breve relato autobiográfico, fragmentário e esquivo da infância passada no interior do país, um retrato de «Portugal nos pés duma aldeia». Por fim, em “A Respiração”, já só resta o esplendor da linguagem, «o sol do sangue e dos livros» a devorar tudo. «Sê louco leitor. (Ao menos uma vez.) Come esta folha.» – ordena o narrador. E nós, hipnotizados, quase que obedecemos.
Avaliação: 8/10
[Texto publicado no número 73 da revista Ler]
Comentários
6 Responses to “O esplendor da linguagem”
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- Amanhã na secção de Livros da revista ‘E’ em 16 de Dezembro de 2016
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“uma editora minoritária”
Espanta-me que um crítico do Expresso possa usar este tipo de expressões. Que é isso, realmente, de “editora minoritária”? David Sedaris, por exemplo, é um autor de minorias? A Dom Quixote poderá, por essa ordem de razões categóricas, ser classiicada de “uma editora de putas” por ter editado os livros da Salgado e do Camarinha?
Cara leitora,
Não havia qualquer menosprezo no adjectivo “minoritária”, bem pelo contrário. Diria o mesmo da & Etc ou da Frenesi. São editoras que trabalham para minorias, sem se preocuparem demasiado com o facto de os livros venderem muito ou pouco (para isso existem as editoras mainstream, como a Dom Quixote).
Onde viu um ataque, havia apenas um elogio.
“São editoras que trabalham para minorias” Mas onde encontra você isso dito ou escrito por esses editores? Lembro-me de ver o Vasco Santos na TV e nem em um momento ele disse que editava para “minorias”…
Não precisa de dizer, é uma evidência. Ou acha que autores como Pierre Louÿs, Antonin Artaud, Henri Michaux, Roland Topor, Stig Dagerman, Nigel Barley, João Camilo e quase todos os outros que compõem o catálogo da Fenda são para “maiorias”?
Estes seiozinhos estão cá em casa, à mão de semear, para saborear brevemente. O grande Manuel da Silva Ramos foi meu professor, no Centro Nacional de Cultura, de um curso de Literatura Maldita, há uns 11 anos. Ele e o Miguel Martins. Excelente curso.
Desde aí, fiquei sempre atento ao homem e ao escritor.
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